Tradição do samba permanece viva no Candongueiro
- Ana Carolina Evora
- 30 de abr.
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Atualizado: 5 de mai.
A casa de samba em Niterói resiste ao tempo e se firma como espaço cultural do samba de raiz
Por Ana Carolina Evora
A casa de samba Candongueiro foi inaugurada em 23 de novembro de 1990, em Niterói, Rio de Janeiro, e mantém há mais de 30 anos a tradição das origens da roda de samba com o foco no samba raiz. Reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial de Niterói, a casa surgiu de forma espontânea a partir do vínculo com o público e a paixão pelo estilo musical.
Existiu uma época que o endereço em Pendotiba, bairro em Niterói, era apenas moradia de uma família. O casal que ali morava gostava de aproveitar o tempo reunindo seus amigos sambistas para fazerem rodas de samba. Ilton, que já era sambista, ficava responsável por guiar a música junto dos convidados, enquanto sua esposa, Hilda, preparava comida para os presentes que curtiam um bom som, tudo isso rolava no quintal da casa. Quando perceberam que os colegas estavam lotando o lugar, a maioria dos frequentadores dava a ideia para que eles abrissem uma casa de samba. Foi desse jeito que decidiram construir o Candongueiro. Com as economias que tinham, compraram o terreno do lado, que, até hoje, é o espaço de samba. Apesar de mudanças na estrutura do local, o repertório com o samba de raiz e a roda de samba continuam transmitindo alegria, igual a antigamente.
O filho do casal, músico e empresário Ivan Mendes, 41, hoje conhecido como Ivan do Candongueiro, atualmente, está à frente do local. Ele tinha seis anos quando o lugar foi tomando forma e tem memórias que vai levar para o resto da vida. Ele comenta sobre a escolha do nome: seus pais procuraram em livros sobre samba e cultura negra na busca de uma palavra com o significado perfeito. “Eles dois acharam o nome ao mesmo tempo”, conta Ivan. Candongueiro é o nome de um dos três tambores do jongo, ritmo afro-brasileiro, sendo o mais agudo do conjunto. Era comum, quando faziam festa do jongo e tocavam o instrumento, que as pessoas que estavam longe escutassem o som do tambor e se aproximassem. Ao colocar o nome de Candongueiro, a intenção deles era que fosse um lugar que chamasse as pessoas para se reunir onde tem música.

Ao longo das três décadas, o Candongueiro consolidou seu papel como reduto do samba tradicional no Rio de Janeiro, manifestando-se por meio do samba de raiz. “A gente procura fazer como os antigos faziam”, diz Ivan, com relação ao que seria, para a casa de samba, o samba verdadeiro. O samba de raiz, tocado pela roda, tem características como a sua estrutura de quando o ritmo era apenas uma expressão popular negra, cujas letras são do cotidiano das origens populares. “Meu pai sempre teve a preocupação e o objetivo de dar resistência, de se fazer o samba como se considera como o samba de raiz, o samba original, o samba mais tradicional”, conta o filho do fundador do Candongueiro.
Um importante passo para a resistência do estilo musical no local foi o reconhecimento como patrimônio cultural imaterial da roda de samba do Candongueiro, por meio do Projeto de Lei Nº 00174/2017 da deputada federal Taliria Petrone (PSOL), em parceria com o vereador de Niterói, Paulo Eduardo Gomes (PSOL). A casa de samba faz jus ao reconhecimento diante de toda a trajetória do samba no local, como o modo com que o casal, dono do local, foi pioneiro na região de Niterói com a roda de samba, ajudando os sambistas que procuravam pelo estilo musical na cidade.
Para quem frequenta o Candongueiro, o espaço oferece alegria, tanto para aqueles que tocam quanto para os que curtem o gênero musical. A roda de samba tem o grupo que faz a base da música junto ao convidado da vez, e até mesmo esses integrantes sentem a energia do local. O músico Marco Basilio, 58, começou a frequentar o Candongueiro em 1997 e tocava um pouco nessas suas idas ao local. Para ele, a casa de samba sempre lutou pela resistência do samba e a energia do público torna a experiência maravilhosa. “Quando eu entro na roda de samba do Candongueiro, eu me transporto”, diz Marcos sobre o entusiasmo em ter o público junto ali da roda.

O público é parte essencial para o funcionamento da casa de samba. O Candongueiro consolidou uma comunidade para além dos antigos amigos sambistas. Os novos frequentadores, que chegaram após a inauguração do local, se encantaram e aprenderam sobre samba nesse ambiente. Quem visita pela primeira vez se apaixona pela energia transmitida na roda de samba e no espaço. É o caso da psicóloga Lúcia Carpi, 46, que conheceu o Candongueiro em 1999 e retorna até hoje. Ela diz sentir alegria pela casa de samba, que simboliza também amizade para ela, por ser um lugar que já levou diferentes pessoas para conhecer a roda de samba e que todas se encantam, assim como aconteceu com ela na primeira vez. Hoje em dia, apesar do público fiel, a casa recebe também a nova geração, que vem conhecendo o estilo musical e admirando o samba de raiz tocado pelo local em Niterói. “O objetivo é esse, é transmitir, é passar de geração em geração o conhecimento do samba para outras pessoas”, diz Ivan do Candongueiro.
O reduto do samba funciona aos sábados, a cada 15 dias, e em comemorações como a feijoada de São Jorge, contando sempre com um convidado especial para acompanhar o grupo de base. Já passaram por lá nomes como Moacyr Luz, Beth Carvalho, Arlindo Cruz, Monarco, Luiz Carlos da Vila, Dona Ivone Lara, entre outros sambistas.

Com o olhar voltado para o futuro, o Candongueiro se prepara para seguir como um reduto da cultura popular, mesmo diante dos novos desafios do cenário atual. Apesar do reconhecimento da casa de samba, é possível constatar algumas dificuldades na hora de persistir no samba de raiz, como, por exemplo, o fato de que muitos artistas desse meio já são mais velhos e, em grande parte, já se foram. Além disso, há a tendência das pessoas, que, em sua maioria, querem ver o samba mais comercial, que lhes agrade mais. Entretanto, apesar de os músicos e donos terem ciência dessa preferência da atualidade, eles irão continuar fazendo a roda de samba do jeito tradicional, como forma de enfatizar a resistência que transmitem no local, fator que até mesmo o público fiel reconhece a importância.
“Meu pai sempre teve a preocupação e o objetivo de dar resistência, de se fazer o samba como se considera como o samba de raiz, o samba original, o samba mais tradicional” (Ivan)
Ainda pensando no futuro, Ivan conta sobre o filme-documentário “A Família do nº 1154”, dirigido pelo cineasta Christian Bernard, que já está em fase final de produção. A obra, que leva no nome o número da casa de samba, irá eternizar a história do surgimento do Candongueiro. Mais do que registrar memórias, o projeto celebra o legado de um espaço que transformou a paixão pelo samba em patrimônio afetivo de gerações.
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