De um sonho a um símbolo de força: a identificação com o samba faz Luciana Carrilo explorar a visibilidade feminina nos palcos
- Camilly Couto
- 3 de mai.
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Atualizado: 6 de mai.
Com uma longa trajetória musical, Luciana Bezerra usa o samba para inspirar e ser inspirada
Por Camilly Couto
O samba pode representar muitas pessoas e a tecladista Luciana Carrilo (53) é uma delas. Por estar desde pequena no mundo da música, ela decidiu segui-la como profissão. Para encaminhar o seu sonho, precisou conhecer algumas cidades do Brasil a estudo e a trabalho, com isso, notou que o samba é a sua raiz. Portanto, percebeu que o seu maior desafio seria concretizar que nascer mulher não é inferior a nada no universo musical.
A música sempre foi uma expressão cultural, entremeando em suas letras palavras de força, resistência e perseverança de raças, gêneros, etnias e povos do mundo todo. Porém, se destrincharmos os gêneros, o samba explicita não só mensagens de força, mas ele se torna o próprio símbolo resistente, não só por suas letras, mas por ser fundado nas periferias e manter-se como símbolo delas até hoje, sendo, desde 2007, considerado patrimônio cultural imaterial brasileiro, pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Mas, não é só com representatividade de uma comunidade que o samba mantém vivo a força de um grupo. Desde sempre mulheres estão inseridas nesse mundo, mas, como dito por Luciana Carrilo - fundadora da banda sambista de Uberlândia Caliandras - permeiam desafios para a valorização de seus talentos, tanto no samba, quanto na música.
Luciana, nascida em Goiânia, foi para Ituiutaba, Minas Gerais, em 1978, após a separação dos seus pais. E, por medo dos problemas emocionais que ela e os irmãos poderiam desenvolver com a situação, sua mãe, que já tinha o costume de cantar com os filhos pela casa, os colocou em uma escola de música do governo da cidade, o conservatório. “E mal sabia ela que me daria uma profissão” disse a artista que, por meio dessa situação, ingressou na música ainda pequena, com 6 anos.
A partir do seu crescimento no meio da música, Luciana Bezerra decidiu no Ensino Médio que queria isso como profissão. Então, ao retornar para Goiânia, em 1990, escolheu o piano para sua profissão, e fez bacharelado no instrumento na Universidade Federal de Goiás.

Durante sua trajetória, decidiu retornar a Ituiutaba em 1994, por questões de saúde da mãe. “No primeiro dia que eu cheguei em Ituiutaba, nesta época, já entrei no conservatório como professora” contou a artista que, logo, conheceu o atual marido, Ricardo Carrilo, também músico, e se fixou na cidade ingressando na banda baile dele, a Banda do Porto, como tecladista, e estudando outras vertentes da música, através de uma Licenciatura em Educação Musical e de um mestrado, ambos no Rio de Janeiro, o que a fez se deslocar para a cidade de 15 em 15 dias.

Mas, no coração de Luciana sempre existiu um amor pela música popular brasileira. Porém, na época, eram proibidos, pelo conservatório, os pianistas tocarem esse estilo musical. Mas, por aprender violão além de piano, a artista repassava, escondida, de um instrumento para o outro, músicas que aprendia com uma família de professores do conservatório, que focaram principalmente no samba, por ser um gênero muito respeitado fora do Brasil.
“Eu toco vários estilos de música, mas eu tenho uma veia bem forte para o samba, eu sou muito sambista, eu sempre gostei mesmo e pelas influências que eu tive eu fui gostando e conhecendo cada vez mais” é assim que a artista Luciana se define e mostra como sua trajetória no samba vem de um afeto e de uma influência importante da sua infância.
Após a pandemia, Luciana percebeu que a banda baile da família causava muita exaustão a ela e não era mais fonte de renda principal deles o que, junto a seu marido, a fez encerrá-la. Porém, com toda a sua carga musical, ela não queria parar de tocar e, dessa vez, sentiu que precisava focar no samba, por ser o gênero que ela se sente mais representada. Assim, começou a ideia de uma nova formação de banda.
“Começou de um sonho que eu vinha alimentando há muitos anos, de tocar só ‘música boa’ ” a tecladista destaca o música boa entre aspas por reconhecer que em todos os estilos existem músicas boas e ruins, mas que utiliza essa maneira de falar por ser aquele gênero que, para ela, a descreve, a representa e a deu impulso para criar seu próprio grupo musical.
“Eu comecei a pensar nas pessoas, convidei uma, convidei outra e, quando eu percebi, só tinha convidado mulheres” assim começou a surgir a banda de Luciana, que já estava em Uberlândia desde 2018. Como dito, ela nunca teve a intenção de criar um grupo feminino, mas quando percebeu que isso aconteceu, gostou do conceito que isso formaria e manteve essa ideia em todas as formações que a banda já teve.

E, para manter essa ideia de representatividade feminina, surgiu o nome Caliandras. Em suas pesquisas e conversas com agrônomos, Luciana descobriu que Caliandra é uma flor forte do cerrado, que resiste a diversos climas e temperaturas, “além da ligação da flor com a mulher, com a feminilidade, com a beleza, ainda tem essa força, essa resiliência que nós mulheres temos” disse a entrevistada sobre o conceito do nome.

Ela sempre coloca a sua experiência sobre o desenvolvimento da banda, por ser a mais velha e com mais tempo no meio da música, relatou que, mesmo com todas as integrantes sempre colaborando pensando em novas ideias, tem um aval maior na construção do repertório, que tem tanto samba quanto outros estilos no meio da música popular brasileira. O grupo não produz músicas autorais, então dependem de uma seleção de composições famosas e que engajem o público. “Eu tenho uma biblioteca musical muito grande na minha cabeça” expõe Luciana, esclarecendo que ressalta para isso influências e referências antigas dos seus estudos na música, principalmente um dos integrantes da família que a deu aula na época do conservatório, “eu o chamo de meu pai musical”.
Mas, mesmo com toda sua carga de conhecimento da música, Luciana relatou durante a entrevista, momentos em que o fato de ser mulher pesou mais do que seu talento, tanto em piadas, quanto no profissionalismo.
“As pessoas te chamam pra tocar porque você é bonita”. Essa foi a frase que a tecladista ouviu de um dos seus amigos da música. “Não, as pessoas não me chamam por eu ser bonita, as pessoas me chamam porque eu tenho competência”, rebateu a tecladista após a piada do colega, mas ouviu de volta a frase “Sim, você tem muita competência, mas você é bonita”. E ali entendeu que esse universo para as mulheres vai além dos palcos, pois é uma prova constante de que o seu talento existe e que ele pode ser reconhecido.
E como dito por ela, essa não foi a única vez em que passou por situações desse sentido. Outro exemplo que ela relatou foi com as Caliandras, em que percebeu que recebiam um cachê baixo de um contratante, em relação a popularização que levavam pro bar. Assim, ao investigar com colegas do meio, descobriu que estavam recebendo um valor referente a metade do cachê pago para bandas masculinas. Portanto, as Caliandras entendem que a união delas pode fortalecer um respeito, mesmo com dificuldades como esta.
A partir dessa parceria das integrantes, os novos sonhos para o grupo estão aparecendo, como o de focar em festas particulares. Atualmente, elas têm como contratantes maiores os bares de Uberlândia, que as recebem muito bem e valorizam o conceito feminino e repertório da banda, mas as propostas de tocarem em festas surgem e estão sendo bem aceitas pelas meninas, se tornando um foco maior delas para o futuro.

“Eu comecei a pensar nas pessoas, convidei uma, convidei outra e, quando eu percebi, só tinha convidado mulheres”
E assim as Caliandras fazem parte da história musical de Luciana, sendo a “menina dos seus olhos” na sua carreira que iniciou pequena mas que foi se desenvolvendo em diversas situações e aprendizados. Por isso, ela diz que se sente uma mulher inspiradora, por tentar sempre repassar seus aprendizados e evoluir como pessoa. Portanto, para isso ela se inspira em mulheres do universo que a escolheu, o da música. Essas são Roberta Sá, Elis Regina e, principalmente, Maria Rita, que transmitem essa força do feminino e a alegria que Luciana busca transmitir em cima do seu “território sagrado”, o palco.
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